À conversa com... Raúl Caeiro

Raúl, seja bem-vindo à nossa rubrica À conversa com...
Nesta rubrica promovemos entrevistas inéditas com autores nacionais, e cujo propósito primordial é fazer com que as suas palavras alcancem novos leitores.
1. Para começarmos, eis a pergunta que se impõe, como é que nasceu o gosto pela
escrita?
O gosto pela escrita nasceu através das aulas de Português. Penso que por altura do 3º ciclo
de escolaridade, a exposição aos autores portugueses, sobretudo de poesia romântica,
calhou particularmente bem com a etapa de ser adolescente e estar a começar a sentir as
primeiras paixões. Isso fez-me pensar que poderia escrever algo parecido com o que lia nas
aulas. Assim surgiram os primeiros escritos. Eram tentativas de poemas de amor.
2. Aurorae. Como surgiu o ímpeto de escrever este seu primeiro livro e de o partilhar
com o público?
Desde a altura dos meus primeiros escritos que tenho um carinho e um respeito pelas
pessoas que escrevem: conseguem mergulhar fundo nas vivências, na imaginação, na
memória, e fazerem uso das palavras para articularem de modo significativo para os outros
um mundo interno. Isso é algo notável! E sempre me interessou a ideia de poder, também
eu, de algum modo ser escritor. Por isso, fui escrevendo e guardando uma parte do que
escrevia. Mas sempre tive dúvidas acerca da qualidade daquilo que escrevia. A dada altura,
decidi que a única maneira de ter uma ideia mais clara acerca dessa mesma qualidade era
publicar e deixar que os meus leitores me dissessem o que achavam da minha escrita. O
livro resulta de uma selecção de poemas que fui escrevendo ao longo de uns 20 anos.
3. E o processo de escrita desta obra, como correu? Pode partilhar connosco um
pouco sobre essa experiência?
Como disse, a obra compreende poemas escritos ao longo de cerca de 20 anos, pelo que
abarca contextos diferentes, e me mostra, como autor, com sensibilidades e temas
diferentes, e até com estéticas literárias diferentes. São também poemas que sofrem
influências de autores diversos, quer no tema, quer na forma. Quando essa influência foi
evidente para mim, fiz uma pequena homenagem ao autor em causa, no livro. Acho que é o
mínimo: escrevo por causa de autores que gosto de ler. Tento, de alguma maneira, escrever
de modo parecido a eles, ou pelo menos por eles inspirado. Quando essa influência está
presente no meu estilo de forma evidente para mim, reconheço-o; embora às vezes não me
dê conta, claro.
Penso que escrevo sempre sobre coisas que me tocam. Pode ser uma leitura, uma
experiência de vida, uma frase ouvida na rua, um filme, uma reflexão, etc. Escrevo para me
expressar, mas também para pensar, para “arrumar a casa” internamente. O processo de
escrita desta obra passou muito pela edição: passei o filtro da pessoa que sou hoje sobre o
que tinha escrito ao longo dos anos: algumas coisas permaneceram intocadas, outras
tiveram grandes revisões, outras não sobrevieram. Por fim, um elemento unificador foi o
estilo de pontuação despojado que usei ao longo da obra.
4. Aurorae incita o leitor a despertar para a sensibilidade, inspiração, imaginação,
reflexão, sentimento.
De onde vem esta paixão pela escrita de poesia com uma vertente tão humana?
Por um lado, acredito que é isso que faz a arte: desperta os aspetos mais humanos das
pessoas. Escrevo porque fui tocado por algo, e espero que a minha poesia possa também
tocar alguém; se aquilo que escrevo inspirar alguém a criar, aí terei a minha maior paga.
Por outro lado, sou psicólogo. E sou-o também porque me fascina o ser humano, nas suas
dificuldades e lutas, nos seus sonhos e conquistas… Tenho o privilégio de acompanhar
diariamente a intimidade de tudo isso, e sei que não somos humanos à partida, precisamos
de nos tornar humanos. Ou seja, a nossa humanidade é um ponto de chegada.
Talvez por tudo isto escrevo visando essa humanidade. Quero uma escrita que venha de e
vá para o humano.
5. Quais são os seus projetos para o futuro? Os leitores poderão contar com novas
obras e dentro do mesmo registo ou prepara algum desafio?
Continuo a escrever. Tenho mais poesia escrita. Julgo que a poesia é uma forma de ser, de
estar no mundo, e também de se expressar. Por isso, o poeta em mim estará sempre
presente, embora por vezes menos ativo. Dito isto, sim, vou publicar mais poesia. E tenho
outras coisas: contos, ideias para algo mais longo… Mas aí já sinto que preciso de
restruturar bastante o meu dia-a-dia, o que nem sempre é possível, porque enquanto a
poesia tem a vantagem de poder ser uma criação curta, a prosa, sobretudo em certas
variantes, exige um compromisso diferente em termos de continuidade e sustentação,
pouco compatível, a meu ver, com uma dedicação não exclusiva à escrita, como eu tenho.
6. Qual a mensagem que gostaria de partilhar com quem nos está a ler?
Apetece-me responder com o “Embriagai-vos”, de Baudelaire. Parece-me fundamental essa
embriaguez, na vida. Se a arte, e a poesia em particular, puder servir de vinho, tanto
melhor!
