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À Conversa com... Maria Fernanda Calado

Atualizado: 25 de mai.


Maria, seja bem-vinda à nossa rubrica À conversa com...

Nesta rubrica promovemos entrevistas inéditas com autores nacionais, e cujo propósito primordial é fazer com que as suas palavras alcancem novos leitores.


1. Para começarmos, eis a pergunta mais importante de todas, como é que nasceu o gosto pela escrita?


Comecei escrevendo por necessidade de desabafo, cartas que nunca entregava, (guardadas tenho duzentas e vinte e duas cartas), redações que na minha época escolar em França eram valorizadas pela parte emocional que nelas descrevia. Acumulei ao longo da vida longos relatos escritos que não sendo diários eram narrativas de acontecimentos, revoltas secretas, sonhos utópicos, constatações sociais atípicas. Aos 16 anos a máquina de escrever vibrava ao correr dos meus dedos.


2. Como surgiu o ímpeto de escrever Histórias de Cabeceira e de o partilhar com o público?


Sempre vivi atenta ao meu redor, sempre tive espírito coletivo, criei movimentos associativos e sempre me envolvi em agrupamentos sociais e coletivos. No entanto, sempre fui defensora do dever de responsabilidade singular. Pouco crente no discernimento humano, uma vez que nem o mais básico do dia a dia o ser humano se predispõe a respeitar, avaliar ou procurar a entender. Bem sei que o leitor pode não captar as mensagens que em cada uma delas está patente. Acredito que o social enquadrado no estereotipo dos valores desenvolvidos de cima para baixo alucinam as mentes formatadas e que importa abordar assuntos de proximidade e cada vez mais necessário. O que me apetece escrever é sempre motivado pela vontade ou necessidade de denunciar na medida do possível (pela positiva), assimetrias sociais sejam vitimadas ou provocadas por ordens que nos ultrapassam. Não acusando, não denunciando, optei por demonstrar pelas histórias de vida, que neste livro apresenta-se como um apelo á consciência do outro. Histórias banais que procuram regurgitar a cegueira interior dos sentires da vida de todos nós. Os exemplos de vidas vividas podiam aos dias de hoje, terem servido de pedagogia para fazer do mundo um lugar onde as histórias de vida não tivessem que acarretar o peso da ignorância de uns e de outros que simplesmente por falta de bom senso provocam sofrimento desnecessário na existência humana. Exemplos banais. Tendemos a passar por cima de valores fundamentais da vida, por isso, a nossa dita inteligência continua a não conseguir enxergar a realidade sem primeiro assimilar o elementar. Gostamos de divagar em volta de egos elevados o que faz da maioria de nós meros instrumentos andantes. Como transformar coisas menos boas quando ignoramos ou nem nos responsabilizamos por aquelas que estão ao nosso alcance. Penso que este é o sentimento que me levou a escrever «Histórias de Cabeceira» Vidas Vividas e Sentidas.


3. E o processo de escrita desta obra, como correu? Pode partilhar connosco um pouco sobre essa experiência?


Como já disse, tenho muita coisa escrita. Agrupei histórias de vida que testemunhei e alguém me disse que devia pensar em publicar. Selecionei algumas e adicionei alguma expressão poética movida pelo mesmo sentir das histórias. Acontece que nunca escrevi pensando em publicar, sei que gosto de me manifestar por escrito, mas não tenho a convicção de ser apreciada por o que escrevo, mesmo assim, com a ternura dos 60 acabei por avançar nesta nova experiência.


4. Histórias de Cabeceira, fala sobre tudo aquilo que faz de nós humanos e a necessidade de, enquanto pessoas, trilhar caminhos, lembrando como somos tão grandiosos e tão desventurados. De onde vem esta vontade de falar da necessidade de reacender a chama da humana postura do mundo?


Penso que uma parte da resposta a esta questão encontra-se na segunda pergunta, certamente alarguei-me. Não sou muito disciplinada… por isso desculpem se não sigo por ordem o vosso raciocínio e questionário. Todavia, direi ainda que certamente sofro de algum recalcamento de criança. Como filha de emigrante tive que aprender por mim a viver num ambiente que muito me exigia. Uma mudança radical de hábitos e costumes onde me foi imposto uma vivencia cultural bastante diferenciada do meu contexto familiar e origens. Penso que me tornou uma pessoa mais observadora, vivendo nos anos 70 ainda a utopia «Hippy» , em Paris, tendo em casa dos meus pais amigos refugiados da Guerra Colonial, ainda tendo à minha volta Condessas e Marquesas a quem a minha mãe e tia serviam e um pai que me falava constantemente da sua vida de miséria em criança e já depois de homem feito. Quem sabe se tudo isso não fez de mim a mulher inquieta que olha para o mundo e que consegue sentir toda a hipocrisia que nele se vive e que na minha pele se fez sentir. (também tenho esta minha história escrita).


5. Quais são os seus projetos para o futuro? Os leitores poderão contar com novas obras e dentro do mesmo registo ou prepara algum desafio?


Penso que sim, mas a verdade depois de escrever não me apetece andar a bater ás portas para me receberem. Nunca o fiz. Quando bato a uma porta é porque tenho uma proposta que em geral não é para mostrar as minhas apetências ou pretensões, lido mal com a minha “promoção” pessoal. É verdade. Ainda que espero e gosto de ser convidada. Será altivez às avessas? Pois não sei! Não me sei avaliar e muito menos sei se o que escrevo interessa as pessoas, mas… não paro de escrever. O meu maior problema não é não confiar em mim, não mesmo. Escrevo com convicção e acredito no valor dos meus sentires, mas não consigo deixar de desconfiar do valor que possa ter seja para quem for.

Se preparo algum desafio? Primeiro foi para mim um grande desafio escrever um romance que adorei. Escrevi no tempo do COVID a história de uma mulher e de um homem… também relata a componente social que os rodeia, mas… este escrito surpreendeu-me porque coloquei-me na pele do cavalheiro e acabei por me apaixonar pelo elenco, e ainda não consegui me separar das personagens que num segundo volume continue a dar-lhes vida, afinal são seres dos meus sonho . Por lá também acabo por expor o preconceito a todos os níveis, por todos nós conhecidos, mas mal refletidos.


6. Qual a mensagem que gostaria de partilhar com quem nos está a ler?


Adoraria ser apreciada como escritora, seria maravilhoso conseguir transmitir aos leitores a essência dos meus sentires, porque com eles me tenho debatido e deles me sirvo para escrever. Além de que o que escrevo vem das entranhas da alma.



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