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À conversa com... José Paulo Lobo


José, seja bem-vindo à nossa rubrica, À Conversa Com…

Nesta rubrica promovemos entrevistas inéditas com autores nacionais, e cujo propósito primordial é fazer com que as suas palavras alcancem novos leitores.


1. Para começarmos, eis a pergunta que se impõem, como é que nasceu o gosto pela escrita?


Antes do mais agradeço-vos por esta entrevista e pela forma como tão profissionalmente trataram da publicação do meu livro.

O meu gosto pela escrita provavelmente nasceu da minha paixão pela leitura. Desde pequeno que sou um leitor compulsivo. Fiquei fascinado pelas letras quando aos 3 ou 4 anos de idade, assistia às lições da minha mãe que carinhosamente ensinava o ABC à Bela, minha irmã 18 meses mais velha.

Mais crescido, lia tudo o que aparecia, livros aos quadradinhos, contos de fadas, relia inúmeras vezes um livro maravilhoso de fábulas de La Fontaine da minha avó, com umas ilustrações magníficas a tinta-da-china e até livros que não seriam para a minha idade e que, obviamente, muitas vezes não entendia.

Dessa leitura veio o fascínio pela construção das histórias, do seu encadeamento, da caracterização dos personagens, pelas imagens, mas os caminhos profissionais levaram-me escrever só muito mais tarde, já quinquagenário. Só escrevia relatórios, análises económicas, artigos sobre gestão, enfim, sempre algo ligado à minha profissão, economista e gestor que sou.

Há uns 10 ou 12 anos, surgiu repentinamente a inspiração de escrever crónicas satíricas sobre política e idiossincrasias portuguesas, nomeadamente históricas e gastronómicas, que publiquei regularmente no Facebook apenas para gáudio de amigos, histórias essas criadas a partir de diálogos com um personagem, o Sô Manel. Resultou numa colectânea que intitulei de “As crónicas do Sô Manel” mas que não me aventurei a enviar para alguma editora e portanto, ficou guardado na gaveta. A partir daí o bichinho ficou, mesmo que durante uns tempos hibernando.


2. Como surgiu o ímpeto de escrever esta obra e de a partilhar com o público?


Bom, ainda que tivesse publicado em Novembro de 2021, na minha terra Moçambique, o meu primeiro livro de crónicas, memórias, contos e reflexões, “Asas para Voar Raízes para Onde Voltar”, só escrevi o primeiro poema da minha vida a 31 de Março de 2021 devido à publicitação do bárbaro massacre perpetrado por extremistas islâmicos na província de Cabo Delgado na última semana desse mês. Foi um profundo grito de revolta. Verdadeiramente uma experiência dolorosa e viagem nunca por mim anteriormente tentada.

Entretanto a minha mente continuou fervilhando e os poemas e contos foram surgindo como uma torrente, pelo que acabei por dividir os textos em dois conjuntos, um dos quais resultou neste presente livro “Pelas Margens do Tempo”.

O projecto começou por ser uma compilação de 63 arremedos de poemas e prosa poética, tantos como a minha idade na altura, textos que mais uma vez partilhei no Facebook e que seleccionei de entre outros, escritos ininterruptamente entre 28 de Março e 28 de Agosto de 2021. Todos se fundamentam nas minhas raízes moçambicanas e no meu percurso de vida.

A partilha com o público resultou da insistência da minha esposa Fernanda, minha musa inspiradora e de bons amigos de longa data, que fizeram inúmeras sugestões, às vezes pontuais, por vezes mais estruturais, ajudando-me a dar forma à obra que vocês agora publicaram, em particular o Miguel Lopes que gentilmente prefaciou este livro e o Álvaro Carmo Vaz que prefaciou o seguinte. Mas já estou a estragar a surpresa…


3. Como correu o processo de escrita desta obra. Partilhe connosco um pouco sobre essa experiência?


Boa pergunta!

Como vos expliquei há pouco, o surto inspiracional surgiu inopinadamente, sem premeditação e sem aviso. Foi um processo surpreendente. Em plena pandemia e com a actividade profissional cerceada pelo confinamento e pelo encerramento obrigatório de empresas, resolvi começar a cozinhar para me entreter, algo que também nunca tinha tentado. Entre a preparação das refeições e a lavagem de louça de madrugada, faço um parêntesis para referir que jantamos sempre muito tarde, começaram-me a surgir poemas e histórias completas na minha mente. Tive que apressadamente encontrar algo onde escrever. Felizmente temos sempre na cozinha bloquinhos para lista de compras. Ora foram nessas folhas que rabisquei apressadamente todos os textos que constam desta obra. Tenho pilhas de papelinhos por toda a cozinha e espalhados pela mesa da sala que transformei em secretária. Conclusão, gastronomia também é poesia!

Nunca me sentei ao computador para escrever deliberadamente um texto. Só mais tarde e mediante as críticas construtivas da minha companheira e companheiros de estrada é que aprimorei aquilo que tinha registado nos esparsos papéis.

Mas a melhor justificação que vos poderei dar sobre o meu processo de escrita, é a que sou visitado regularmente por xipocués, fantasmas ou espíritos, de madrugada, quando o véu entre mundos é mais ténue e que me sopram o que devo escrever.


4. Pelas Margens do Tempo é uma obra que leva o leitor a encontrar o portal de outras realidades, de outros tempos e a viajar além das sombras noturnas.

De onde surgiu a vontade de aventurar-se impudicamente por territórios nunca anteriormente explorados?


Impudicamente é a palavra certa.

O que leva alguém a escrever poesia ou prosa poética? Particularmente na meia-idade? O que me fez escrever desatinado como um cavalo doido? Em português e, inesperadamente, também em inglês?

Só mesmo a falta de vergonha, o descaramento.

Deixando de lado a brincadeira, pode parecer estranho que alguém que não é da área de Letras e Literaturas e que nunca tinha tido experiência relevante nesse campo se arriscasse a escrever e a tentar publicar livros.

Como justificação e em minha defesa, posso referir que só tive filhos do coração, não plantei árvores apenas flores no jardim do meu avô, mas ao menos resolvi escrever histórias.

Mais romanticamente gosto de dizer que não fui eu que me aventurei, foram os outros em mim.


5. Quais são os seus projetos para o futuro? Os leitores poderão contar com novas obras e dentro do mesmo registo ou prepara algum desafio?


Tenho dois projectos em vista, um concluído e no prelo em Moçambique, “O Amor, o Gato Preto e Outras Insónias” e outro em maturação, “A Casa no Índico”, que está em avaliação de qualidade literária e que não sei ainda se será aceite por alguma editora.

O primeiro foi arquitectado com alguma irreverência e eventualmente de desafio às regras estabelecidas pelos literatos, visto que mistura géneros, poesia, prosa poética, crónicas e contos e ainda reprodução de aguarelas.

O segundo está dentro do mesmo registo do “Pelas Margens do Tempo”, combinando poesia e prosa poética e fotos trabalhadas digitalmente.

Como sou fascinado por imagem, todos os livros contêm reproduções de pinturas, desenhos ou fotos.


6. Qual a mensagem que gostaria de partilhar com quem nos está a ler?


Mais do que mensagens gostaria de partilhar alguns pensamentos fruto de reflexões que fui fazendo ao longo da vida.

O que aprendi foi que a força motriz da nossa vida se pode resumir em três simples palavras: Amar, Acreditar, Alcançar.

E ainda que necessitamos de Ousadia, no sentido de pensar diferente, fazer diferente. Gosto particularmente do que disse Bob Marley: “disseram-me que quem sonha alto, o tombo é grande. Só que se esqueceram de me perguntar se eu tenho medo de cair!”.


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