À conversa com... Mário Jorge Santos
Atualizado: 20 de mar.

Mário, seja bem-vindo à nossa rubrica À conversa com...
Nesta rubrica promovemos entrevistas inéditas com autores nacionais, e cujo propósito primordial é fazer com que as suas
palavras alcancem novos leitores.
1. Para começarmos, eis a pergunta que se impõe, como é que nasceu o gosto pela escrita?
Antes de responder à vossa questão, quero agradecer esta oportunidade
de “falar” para uma rubrica “À conversa com...” cujo propósito
primordial, como escrevem, é fazer com que estas palavras alcancem novos leitores. Posto isto, devo então dizer que o meu gosto pela escrita surge, talvez, ligado ao prazer pela leitura, a partir dos meus nove anos de
idade e coincidentemente com um facto. As primeiras férias que passei em
Sever do Vouga, junto com a minha avó materna e um tio, irmão da minha
mãe que era engenheiro agrónomo e estava naquele concelho a dirigir uma
chamada Experiência Agrícola que era subsidiada por uma multinacional
que produzia e distribuía produtos para a agricultura. Estávamos em 1957.
Mas, estas férias tiveram, então, um acontecimento: foram passadas sem
os meus pais. Eu tinha ainda 8 anos (faria os 9 em Novembro) e passava
as minhas primeiras “férias grandes” sem os meus pais que entretanto
regressaram a Lisboa pois o meu avô paterno, também de nome Mário,
estava muito mal e acabaria por falecer. De modo que encetei uma tarefa
que me pareceu uma maneira de superar a falta dos meus pais. Passei a
escrever diariamente as minhas “aventuras” numa terra que me era muito
estranha – imaginem em 1958 o que era a diferença de estilos de vida entre
uma terra do interior da Beira Litoral e Lisboa – mas que ao mesmo tempo
me fornecia muitos elementos para algumas “histórias” que eu contava aos
meus pais muito parecidas com as redações da escola, devo confessar.
Mas a minha guardou-as, apesar de anos depois, só restarem umas duas
ou três. Cabe aqui introduzir um outro facto. Eu já lia avidamente histórias
de banda desenhada – na altura as célebres histórias em quadrinhos –
como as do “Cavaleiro Andante”, uma revista semanal com diversas
histórias de alguns heróis da altura, entre eles o Timtim que mais tarde
apareceria em álbuns e que também tenho alguns, ainda os guardo. Acho
que foi a partir desse ano que nunca mais perdi o gosto pela escrita. A
minha mãe, acho que até ela ficava admirada pois via-me entrar mais
facilmente numa livraria que numa loja de brinquedos. É claro que depois,
na minha adolescência comecei a ler outras coisas. Mas, voltando à escrita,
até hoje, continuo a fazer-me acompanhar de uma pequena agenda ou
bloco onde tomo anotações ou escrevo algo mais inspirador para depois
“completar”, ficcionar ou simplesmente transcrever. Mas, escrever e ler
tornaram-se “hobbies” sempre que possível, momentos acompanhados por
uma boa música…
2. Eu e os Meus Fantasmas. Como surgiu o ímpeto de escrever esta obra
e de a partilhar com o público?
“Eu e os Meus Fantasmas” é o meu quarto livro. Diferente dos anteriores
pois não se trata de um livro exclusivamente de poemas, como “Descritiva
Mente” e “Simples Mente”, ou de crónicas como “Memória Descritiva”.
Este, para além de ter crónicas mais recentes e alguma poesia, passou por
uma espécie de “montagem” como se fosse um filme, já que havia que dar
aos textos um alinhamento, ordem em grandes temas que me merecem
previamente considerações minhas. Achei que podia ser interessante dar a
conhecer ao leitor o meu pensamento sobre temas como, por exemplo,
tempo, geração, família, religião, entre outros e enquadrar crónicas,
poemas. Dito isto, ainda guardei o “rascunho” durante meses e meses,
depois veio a pandemia, depois veio a minha doença – estou a “sair” do
tratamento a dois cancros, após quase dois anos - até que me decidi a
fazer-lhe uma “limpeza de pele” final e submetê-lo a uma opinião que me
ajudasse a decidir sobre a sua validade. A Oficina da Escrita surgiu-me um
dia no Facebook e depois da vossa opinião abalizada, do apoio e
disposição para contratarem a publicação, convenceram-me em definitivo a
partilhar com o público os “meus fantasmas”.
3. E o processo de escrita desta obra, como correu? Pode partilhar
connosco um pouco sobre essa experiência?
Pois, para além de reunir alguns poemas e crónicas, alguns deles até já
anteriormente publicados mas que estavam adequados aos objetivos deste
livro, em “Eu e os Meus Fantasmas” pretendi, como já disse, dar um perfil
diferente e dar a conhecer ao leitor, também, quais as minhas reflexões
sobre temas transversais que são os meus “fantasmas” (e seguramente de
quase, para não dizer, de toda a gente). Esta ideia surgiu-me pois após dois
livros de poesia e um de crónicas achei que ordenar por grandes temas
aquilo que são os meus “olhares” ajudaria á compreensão e à “discussão”
com os leitores e entre os leitores. Quanto ao processo, como já disse,
trata-se de uma espécie de “montagem” como se faz num filme ou numa
peça de comunicação, seja documentário jornalista ou outro qualquer,
suponho eu. Mas, é aliciante, pois uma coisa é “juntar” textos um após o
outro e enviá-lo pra o editor e outro é ter de dar uma ideia, uma ordem, um
enquadramento e experimentar as várias possibilidades antes de dar por
concluída a operação. E, quantas vezes foi necessário fazê-lo…
4. Fantasmas são, segundo a crença popular, almas ou espíritos de
pessoas já falecidas que podem aparecer aos vivos, mas não é destes
fantasmas que a sua obra nos fala.
De onde surgiu a ideia de escrever
sobre este assunto? Que tipo de fantasmas são estes?
Todos temos os nossos fantasmas, mas não necessariamente maus! Nem
todos permanecem como estigmas, ou deixam cicatrizes de modo que nos
pareçam assombrações. Há os bons fantasmas, momentos que
permanecem em nós e que sempre recordamos com saudade. Outros
ajudam-nos a meditar, a realizar, a decidir, mas uma coisa é certa. Bons,
maus ou nem uma coisa nem outra, todos os temos. Serão os
“macaquinhos no sótão”? Acho que também há quem lhes chame isso!
Aliás, os meus fantasmas não são apenas velhos companheiros. Também
os há bem recentes como aquele com que termino o livro e que, claro, está
relacionado com a minha doença. Quem não tem fantasmas destes?
5. Quais são os seus projetos para o futuro? Os leitores poderão contar
com novas obras e dentro do mesmo registo ou prepara algum
desafio?
Será curioso que a minha primeira tentativa para escrever um livro resultou
numa ficção de dez capítulos manuscritos, mas com um título (Crime de
Tábuas) e que permanece inacabado desde os meus 17 ou 18 anos, já
nem me lembro bem. Sei onde está “arquivado” e tornou-se uma espécie
de fantasma. Muitos anos mais tarde, (penso que 1988/9 convidaram-me
para escrever para o “Diário de Aveiro” e durante quase 10 anos tive uma
coluna semanal (Nós por cá todos bem) depois passou a quinzenal, onde
escrevi sobre os mais diversos temas de actualidade social, económica e
política. Foram mais de 300 artigos que acabei por arquivar e não sei até
que ponto não terei feito mal em não o ter publicado em formato de livro.
Mas o que é facto é que durante esse período, sem abrandar a leitura, a
escrita estava muito focada na composição dos artigos para o jornal. Mais
tarde, surgiu-me, de novo, a vontade de escrever um romance, uma ficção e
de repente estava a escrever uma ficção sobre D. Sebastião, mas a
história ainda a tenho planeada, apenas faltará agora foco na figura do
“Desejado”. Escrever romance histórico não é aquilo que me exalta, embora
goste imenso de História. Finalmente, há uns cinco anos, lancei-me na
ficção e estou agora definitivamente focado numa história banal, mas que
tenta retratar tempos muito actuais em que relações familiares, relações no
trabalho, relações interpessoais, et cetera, estão a mudar de forma acelerada.-
Será “A Falta Que Tu Me Fazes”. Está, digamos assim, em fase de saída
do casulo: já não é lagarta mas borboleta e agora é pedir-lhe as asas para
voar na imaginação. Será esta? Talvez melhor dizendo: vai ser desta!
6. Qual a mensagem que gostaria de partilhar com quem nos está a ler?
Começar a escrever aos 8 anos e publicar, pela primeira vez, aos 71 anos
parece uma coisa “fantasmagórica”, mas não é. Por isso exorto
todos os que sentem esse impulso íntimo para a escrita que não sejam
tímidos e, caso sintam essa vontade, que se lancem nessa arte e mostrem
aquilo que “desenham” no papel como o pintor na sua tela. Sem
esmorecimentos. Agarrem as oportunidades que existem para ajudar. E, já
agora, recordo que durante a pandemia foi a leitura e a escrita que me
ajudaram a “matar” o tempo e foi por causa da pandemia que agarrei a
oportunidade de editar dois livros.
É esta a mensagem. Nunca desistam dos vossos objetivos. Desistir é sair
derrotado e é sempre a maior derrota. É ficar toda a vida com um “fantasma
mau”!.
